Terceiro ano de Medicina, Hospital das Clínicas. Saimos da sala de aula, todos em guarda-pó alvíssimos, nos primeiros passos no papel de futuros médicos. Pode reparar: calouros só andam com as mãos nos bolsos dos jalecos. Também, não sabem onde por. O grupo acompanha o professor, chefe da cadeira de Neurologia, em visita à enfermaria, com pacientes pobres e na sua grande maioria, sem qualquer estudo. Mestre das antigas, sempre de gravata sob o manto branco, brilhantina nos ralos cabelos, cheiro de loção pós-barba, tratando a todos por "senhor, doutor". Era conhecido por sua linguagem nada coloquial, arcaica, enfeitada mas acima de tudo, divertida.
Na enfermaria, os alunos em volta do leito do pobre doente ( talvez a quinta visita do dia ), e o mestre toma a cabeceira. Passa a descorrer sobre as patologias neurológicas periféricas que, afetando o arco reflexo, impedem em variados graus, a mobilização dos membros inferiores. O paciente olhava pra ele, olhava pra nós, em pânico, certamente tentando enxergar em algum semblante mais despreparado, a gravidade de seu mal. O professor, ao final de sua peroração, e para comprovar o brilhante diagnóstico, dirige-se de forma quase teatral ao paciente e vira-se para os alunos com o riso na face de quem já conhece a resposta:
-"Meu caro senhor, responda com exatidão a estes jovens esculápios: claudicas quando deambulas?"
tela: aulas de anatomia,de rembrandt
4 comentários:
Hahahaha, está tão bem contado, que vi a cena todinha, especialmente a cara do paciente!
"Claudicas quando deambulas?" entrou pra minha antologia.
Para o meu falar também, Jana. "Claudicas quando deambulas?" Esses dias de perna inchada (da ex-químio) talvez eu esteja claudicando quando deambulo.
Agora, Bernardo... tentei descobrir quem é o esculápio mór e não consegui. Uma certeza eu tenho, não era Jayme Vianna.
Xinga mais um pouquinho que eu deixo... dá para traduzir ou só eu que não sei o que significa???
Essas histórias são fantásticas! Eu tenho o maior respeito por pessoas que conseguem ficar quietos, sem desmaiar, na frente de um cristão aberto da pelve até o pescoço.
Abs.
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