Rio das Almas, fim de tarde. Sentei na beira do rio pra lembrar de minha infância em Nilo. No rio que aqui aparece numa tranquilidade de dar medo, muita gente morreu afogada. Tentavam por a culpa nele, o rio, maldito, traiçoeiro, matador de meninos. Quem olha bem a foto percebe que ele não tem culpa nenhuma. Ele está ali antes de qualquer menino, subindo e descendo com a maré, tranquilo, se entregando ao mar lá adiante. Bem por causa disso tanta gente morria, por se jogar em sua tranquilidade, esquecia que os pés não alcançavam o fundo, aí a correnteza leva. Leva pro fundo, prende nos galhos e devolve dois dias depois pra familia; quando devolve.
Toda esta introdução pra dizer que, quando criança, tinha liberdade pra tudo em Nilo, com as bênçãos de meu pai, menos uma coisa: era absolutamente proibido entrar no Rio de Alma. Os amigos se esbaldavam nos banhos depois de um guerrô, uma picula bem corrida. Eu e meus irmãos ficávamos olhando mas não passava em nossas cabeças desobedecer a ordem, mesmo na ausência do velho. Além do mais, ele tinha olheiros por todo lado, mas nem carecia.
Quarenta anos depois, Lavagem do Bonfim de Nilo, já casado e cheio de filhos, numa cachaça de arrepiar, todos corremos pro rio que estava como nesta foto: lindo, cheio, morno. Foram caindo um a um. Na minha vez, empaquei. Até hoje não sei o gosto daquelas águas. Continuo sentado em sua margem espiando, espiando...
foto de bernardo, em uma tarde de 2009.