quarta-feira, 24 de março de 2010

Interior


Como viver numa cidade do interior que não tem uma praia, um rio pra se tomar banho, descer de canoa, uma cachoeira? Melhor ir pra uma cidade grande. Fui a uma cidade assim no domingo e nem um pé de jaca eu vi, que desse pros meninos subirem nela. Passarinho, acabaram com eles: nem uma pena de canário, papacapim, curió, muito menos o berro da araponga, o som do interior. Deusmelivre! Sou de uma cidade que tem tudo aquilo que descrevi que presta na vida; tem sino da igreja tocando na hora certa. A Voz da Cidade, que melhorou e passou de altofalante pra caixa de som, mandando recados pra cidade toda, fazendo papel de efe-eme. Chove todo dia mas é chuva que não alaga as ruas, tem é mato pra molhar. Tem coisa ruim: a pista passa pelo coração, com o asfalto alterando o cheiro do mato. Sempre gostei de morar no interior. Vim em busca de paz e silêncio. Agora me vejo às voltas com as doenças que vieram das cidades grandes, como aquelas levadas pelos indianistas pra dizimar os que viviam na quietude do campo. Que pena. Meu interior está (re)virando exterior. Tá mudando o cheiro, a cor, o som. Tem atropelo, assassinato e corrupção de gente grande. Deusmelivre. Pra onde eu vou agora?
nilo peçanha. foto de tassia novaes.

terça-feira, 23 de março de 2010

Fabricio Matogrosso


A policia de Valença anuncia que está no encalço do provável assassino do meu amigo Fabricio, que se encontra foragido. E dá a seguinte explicação para o crime:

Há cerca de uma ano, Fabricio vendeu seu carro para esse indivíduo, que deixou de pagar a ultima parcela, de R$ 800,00; por garantia, Fabrício recusou a entregar o DUT. Seria entregue contra o pagamento devido. Por isto, foi morto com cinco tiros.
foto de fabricio matogrosso em jornal do baixo sul, sem crédito

quarta-feira, 17 de março de 2010

Lobolo


“O Tribunal Judicial de Gondola, em Manica, Moçambique, acaba de condenar a seis meses de cadeia, dois jovens apanhados a manter relações sexuais com uma cabra, mas donos do animal continuam a exigir casamento.
- No preciso momento em que fui ver, a cabra apresentava corrimentos, o sexo estava inchado. Um dos jovens estava nu, enquanto segurava a cabeça ( da cabra ) e o outro a fazer sexo com o animal.
Resolvida a questão judicial, o proprietário do animal é que não se conforma e continua a exigir que os jovens se casem com o animal(...) e teriam de pagar lobolo, um ritual tradicional que reconhece a união marital, no qual o homem compensa a família da mulher.
O animal violado foi devolvido ao inconformado proprietário e os jovens continuam presos”.


Esta notícia estupenda para nós interioranos, me foi enviada por Martha. Acredito que ela se lembrou de mim apenas por eu andar escrivinhando, textos atrás, sobre a iniciação sexual dos meninos do interior. Pelo visto, parece que a Bahia se desgarrou mesmo da costa africana, já que lá a iniciação é idêntica, o que muda é o lobolo. Com o desgarramento, as tradições se afastaram, a ponto de, por estas bandas, o flagrante só causar uma imensa gozação ( êpa!). Se lobolo existisse, com a criatividade ( leia-se esperteza, segundo a Lei de Gérson) do povinho desta terra, haveria criadores de cabra visando outro lucro que não com a venda de carne e leite. Bregas de cabras seriam abertos em todo Nordeste; lupanares de ovelhas no Sul Maravilha. Vaquinhas novas seriam oferecidas nas casas de tolerância do Centro-Oeste. Na região Norte, povo brabo, era capaz de se lobolar com as onças.
Depois da nota no Diário de Moçambique, resta um suspiro de alívio aos meninos que continuam a crescer nos campos do país. E eu aqui para registrar.

quinta-feira, 11 de março de 2010

Fabricio Matogrosso


Meu amigo, muito amigo, tipo irmão. Todo santo dia, pelo menos um telefonema pra falar bobagem. À noite sempre vinha em casa tomar um café com canela e rolava abobrinha até altas horas. Fabricio tinha uma inteligência aguçada. Super bem humorado, nunca perdia uma piada, com trocadilhos sinceramente engraçados. Louco por política, foi mentor de candidaturas, muitas vitoriosas, da atual safra do Baixo Sul, seu amado Território ( para mim, seu eterno Primeiro Ministro, como o chamava, e ele ria, balançando a pança). No momento, aticulava candidaturas a deputado e estava fazendo misérias, conseguindo apoios antes inimagináveis para seus candidatos. Ficou a meu lado, sempre, sendo o unico a me visitar no mesmo dia em que me mandei da loucura, da aventura que foi minha passagem pela Secretaria de Saude de Camamu. Aliás, foi dele a minha indicação.

Mataram Fabricio anteontem, dia 9, em Valença, no meio da tarde, no meio da rua. Cinco tiros enquanto comprava pão pra Vitória e Pedrinho. Em tão pouco tempo, perco dois irmãos assassinados na mesma cidade.

Filho de Ogun, da Casa de Juquinha, sua mãe de santo, a quem ouvia até pra tossir. Professava sua religião com uma fé inabalável. Vivia repetindo que era inatingível por ter Ogun protegendo sua cabeça. Morreu vestindo uma camisa com um desenho de Iemanjá. Onde estava Ogun quando a primeira bala o atingiu logo na cabeça? Outra das cinco balas atravessou Iemanjá, que também tombou morta. Morreram os três. Morremos todos um pouco. Há um silêncio incômodo no Baixo Sul. Tambores mudos. Só seu brado de guerra que usava diariamente ainda bate no meu ouvido:

" A VERDADE LIBERTA!!!"

quarta-feira, 3 de março de 2010

O mito dos mitos


Só os médicos tem certos previlégios inclusive o maior de todos, o de penetrar na alma humana. Graças ao segredo estamos ali para ouvir o sofrimento dos sofrimentos. As mulheres falam com muito mais facilidade sobre qualquer assunto, inclusive sua sexualidade. Os homens, muito mal estão fazendo o exame da próstata. PSA ou Ultrassonografia é moleza, mas quando se oferecem ao toque retal, calam-se mortalmente. Tenho ouvido com muita frequencia ultimamente( estamos nos soltando!!), a queixa que antes preferia calar: o tamanho do pênis. É uma epidemia de homens insatisfeitos com seus pauzinhos. Quando peço para examinar, é susto em cima de susto: todo mundo tem o pinto razoável para o estado em que se apresentam. Mesmo flácidos, não são de envergonhar ninguem no vestiário de Pituaçu. Daí eu explico, explico e peço que me tragam na próxima consulta uma medida do equipamento em ponto de uso. Como? Use um pintômetro, em qualquer boa casa do ramo se encontra. Os caras me trazem 14, 15, 16 cm. Tá se queixando de que? Tá louco? Eu queria 20. Tá, mas se conforme com esse, que está muito bom. Mas tamanho não é documento? Quanto maior a área, maior o atrito e maior o prazer proporcionado? O que é melhor: quanto usar ou como? As mulheres preferem os grandes? Não sei, nunca ouvi uma sequer dizer que o maridinho tem um amendoim que nem faz cócegas. Não estaríamos exagerando? Próximo Congresso vou propor o termo falaxia para designar, em analogia à anorexia, o disturbio de percepção que o homem tem do parente lá dendas pernas. Acreditem em mim: é raríssimo o verdadeiro tiquinho. Fiz uma revisão na literatura médica e encontrei que a média nacional é de 13 cm! Vamos acabar com o sofrimento dos companheiros que se acham inferiores. Não se compare a ninguem quando o sujeito estiver em descanso. Lembre da regra: Se ele passa de 6 para 15, mais que dobra de tamanho, ou seja, deixe pra se apresentar quando estiver sempre alerta; se for de 14 para 18, cresce um tiquinho de nada, quer dizer, faz um farol danado, mesmo morto. Se você se acha pequeno, pense no velho ditado: quando estiver triste com seu sapato velho, lembre que alguem ao seu lado pode não ter o pé.

Com a palavra, as mulheres. Se acharem que vale a pena.


davi em revistabrasileiros.com.br

xeudizer:

anotações livres, leves, soltas