terça-feira, 30 de junho de 2009

Espantalho




Nas minhas idas e vindas diárias a Valença, me chamava a atenção este troço aí em cima, localizado numa pequena roça em Cajaíba. É, sem dúvida alguma, um espantalho. Eu é que fiquei espantado com o inusitado e inovado objeto. Gostei do troço. Tenho uma inclinação pelo kitsch e este, se supera. Tem uma boneca de plástico, dois sapatos, um chapéu, quatro garrafas e uma sacola. Parei o carro no pseudacostamento apontei o celular e o dono do pedaço apareceu.
-"É o que, moço?"
- "Nada", respondi, "só achei bonito e resolvi fazer uma foto".
-"Só que tá todo mundo gostando tanto que resolvi pedir um ajutório de 5 real por foto".
Recolhi a máquina.
-"Olhando bem, não está tão bonito assim...Bom dia."
Antigamente, quando ainda éramos todos lindos, se usava penico e chifre de boi pra espantar no roçado. E os donos não cobravam. Mudou o espantalho, mudou o dono, eu mudei. Acho que só o espantalho mudou pra melhor.

foto de bernardo em 30.06.09

sábado, 27 de junho de 2009

MJ


Finalmente se cumpriu
o que ele desejou
e buscou por toda sua vida:
não envelhecer.
foto da web

sexta-feira, 26 de junho de 2009

Lulli, Bruno & Marrone

Eu nunca vi nada igual. Resisti todos os dias a ir à rua ver o São João que não quero ver. De repente me chega Lulli feito uma tiete alucinada e me convence. Fui. Não diria que me arrependi. Matei a saudade da Praça Castro Alves na terça-feira ( nos 70, claro). Gente pra dar de pau.
"-Senhoras e senhores, com vocês, Bruno e Marrooooooooooneeeeeee!!"
Lulli pulava que nem uma guariba. Não sei dizer se excitada com a dupla ou porque se livrou do trabalho por dois dias. Jenipapo faz dessas coisas também.
É assim o São João da maioria das cidades do interior. O daqui, tirando Lulli, foi uma bosta. Ea decoração estava tão bonita...
autorretrato de lulli, no celular; ao fundo, bruno&marrone.

quinta-feira, 25 de junho de 2009

João


Ia nascer no dia de S. João e naquele tempo não se fazia ultrassonografia. Depois de duas cesareanas com intervalo de um ano e dezessete dias, o médico foi taxativo: seria o ultimo partoAdicionar imagem. Morena pirou. Depois de duas meninas, o sonho de ter um filho homem parecia se esgotar. Seria outra menina e o menino jamais viria. Caladinha, disse lá nas suas conversas com São João:
-"Vai nascer no seu dia e se for homem, boto o nome João. É o que o senhor precisa fazer".
Eu cá nos meus botões, sussurrava o desejo de ter um filho Paulo, mas se fosse mulher, e daí? seria Nara. Parto complicado, outra cesareana, de tão grande não passavam a mão de Dr. Bonfim e a cabeça da criança: tiraram a ferro. Eu assistia a tudo e senti minha barba crescer. Homem. Morena me diz com o olhar pidão:
-"...deixe ser João, fiz promessa..." fiquei sabendo naquela hora.
Porque não? Adoro o nome João. Ficou João Paulo. Foi o primeiro dos muitos sustos que tomamos com este menino. Três anos, meningite. Asma na infancia. Hidrocele, primeira cirurgia, hérnia estrangulada a segunda, apendicite a ultima, espero.
Cresceu agarrado comigo. Um dia me largou e foi para Londres. Ficou um ano ( ah! internou lá com suspeita de apendicite, também). Voltou. Ainda veio mais uma menina e João continuou sendo o unico filho homem.
Hoje ele toma conta de mim, paga minhas contas, faz minhas coisas, é meu secretário, contador, administrador, companheiro, amigo, meu filho, meu pai, meu irmão. E o sacana só me chama de "babaca".
A propósito, nasceu dia 22, pro médico brincar o São João. Naquele ano nem vi fumaça...
foto de jango em brighton, por romulo

sexta-feira, 19 de junho de 2009

Primeira Comunhão


Naquele tempo, era a Primeira Comunhão. Este negócio precisa ser bem explicado pois está em extinção e tirando dois ou três leitores, o resto precisa saber do que se trata. Enquanto as crianças nem sabiam direito o que estava acontecendo e por desejo de participar do ritual - as meninas vestiam-se de freiras!- as familias católicas entregavam seus filhos à Santa Igreja. Os pais ficavam aliviados, lavando as mãos: agora é com eles, minha parte está feita; a Igreja vislumbrava a captação ( cooptação) de mais algumas ovelhas. Para as crianças, não era tão simples. Eu sofri como Jesus na cruz!. Explico. Meu pai era o Prefeito de Nilo e frei Flavio, morava em nossa casa, assim como a professora. Tinhamos uma relação de amizade com o padre, que jogava bola com a gente. É vem a 1ª Comunhão. Para receber a hóstia sagrada, era necessário fazer a confissão, na véspera! Agora pensem. Criança do interior, morando na fazenda, solta no pasto, hormônios começando a circular, ovelhas dando bobeira...como se diz uma coisa dessas a frei Flávio? E a confissão foi feita lá em casa, na sala do fundo, eu ajoelhado, Frei Flávio sentado numa cadeira com o olhar perdido que reconheci, além, na psicanálise. Disse tudo, mas nunca mais a amizade foi a mesma. E as próximas 24 horas sem pecar ( ou a hóstia se transformava em sangue na boca)?
-" Mãe, tomar banho de rio é pecado?"
-" Mãe, pode chupar abafa-banca?"
O pior era evitar o pecado por pensamentos. Por palavras, dava-se um jeito. Por obra, era fácil, era fingir que não morávamos na roça, por 24 horas. Dende casa, olhando um pra cara do outro, tentando identificar um pecadinho que levaria o pecador a queimar no mármore do inferno.
Fizemos 1ª Comunhão juntos, nos 50 anos de meu pai, eu, Leonardo, Eduardo e Paulinho, num evento coletivo. Foi tudo muito bem mas dois amigos não aguentaram a pressão: Tutu desmaiou no altar e Bola Sete vomitou no pé do padre. Um esqueceu que devia estar em jejum e o outro, de confessar que comeu uma jega.
Compreendi, por fim, o que é temer a Deus.

foto da primeira comunhão de minha irmã ana maria,com meu pai e minha mãe. autor não identificado

quinta-feira, 18 de junho de 2009

Eu sei que eu sou...


Dia de chuva, frio, ficar em casa mexendo nos guardados. Pra que? Me bati com a foto acima. Reveion de 77, no sítio de Mena na Estrada Velha do Aeroporto. Todo ano a gente fazia e inventava datas pra comemorar. Carnaval, São João, 2 de Julho, aniversário dos frequentadores. Neste dito, fotografado acima, festa à fantasia. Em primeiro plano, Maria Sampaio em Dancing Days e eu de Frenética, junto com meu irmão Eduardo, de braço arribado, num bate-coxa com Valteres, simplesinho de mortalha do Jacu. À esquerda, Luis Carlos de Raulinda com aplique de borboleta na xoxota, feliz da vida; bem no centro da foto, Miss Simpatia e Beto que, de Frenética ( éramos seis ou sete ), ficou a cara de Glória Maria antes do Fantástico. Atrás dele, Raul, meio acobertado, segura uma placa que não soltou a noite toda, onde se lia: "A Myséria do Lyberalysmo"- seja lá que miséria isso queria dizer. No meio da festa, concurso de fantasias. Ficamos com o premio de "grupo mais animado" (?!) e Marta Batata com o Pacote de Abril, originalidade. Maria papava todos os premios de luxo. Com ela é assim.

terça-feira, 16 de junho de 2009

Minha mãe


O que escrever sobre alguem que quem me lê não conhece? Afinal, para quem endereçamos nossos textos? Hoje vou escrever para mim.

Faria 96 anos hoje. Até consigo imaginar como estaria. Morreu com 83, muito antes do muito que poderia viver mais. Nasceu numa fazenda nos Pernambués e meu avô criou os filhos com as frutas que colhia na roça. Normalista, professora que jamais lecionou. Casou, enfrentou o preconceito da família rica do noivo e depois conquistou a todos. Roeu beirada de penico, ralou, criou seis filhos, ficou rica, perdeu tudo, enfrentou dois recomeços de vida depois de ter tudo. Nunca usou jóia além da aliança, em promessa a Santa Rita. Minha mãe foi apaixonada pelo marido até a morte. Nunca vi paixão igual. A pessoas que se metiam a achá-la submissa, dizia que sempre agiu para manter o amor e o casamento, a família, este o preço para não usar jóia. Teve com a sogra, vó Carmena, paixão de filha e mãe. As cunhadas respeitavam agradecidas pelo amor dedicado ao irmão. Virou comadre de duas das mais queridas, Magá e Norma. Sábia em sua simplicidade, minha mãe foi a pessoa mais generosa que jamais conheci. Tomou o filho do marido como seu e jamais permitiu que se dissesse que não era seu. Amou tanto Paulo quanto aos outros. Declaradamente. Incondicionalmente. Foi a ultima pessoa a quem dirigiu o olhar.
foto da formatura de leonidia sem menção do autor.

segunda-feira, 15 de junho de 2009

Ogunhê!


Passei batido. Buzu lotado. Borocoxô. Deprê. Tô me sentindo meio chorik. Desdasemana passada que tô com o oveiro virado. Quase uma semana sem olhar o computador, muito menos passar os dedos nele. Hoje acabou. Voltei pra casa e me dei conta que nem mereço. Não é qualquer porradinha que vai amassar minha lataria. Marcus escreveu que gosta dos meus textos. O Resto Que se Foda Futebol Clube. Não disse que hoje estava meio chorik? A baiana já rodou.
desenho do blog ocandomble.files.wordpress

segunda-feira, 8 de junho de 2009

Itana


Itana nasceu no interior, casou, pariu, mudou pra capital. Descasou, fez uma porrada de vestibular, passou em todos, cursou algumas faculdades, casou de novo, entregou os filhos ao mundo, foi ser instrumentadora de cirurgia plástica. Futurozinho besta mas garantido. Nada. Inquieta, andava bufando pelos cantos, insatisfeita. Tambem não sabia o que queria só sabia que não queria o que estava vivendo.
Um dia, deu a louca. Avisou a todo mundo: "-Vô mimbora!" e foi. Marido a tiracolo, o cachorro e umas mucufaias ajuntadas nos tempos modernos: fogão, geladeira, uns panos de bunda e um computador portátil. Vendeu o carro, apurou um dinheirinho, comprou um terreno e deu inicio a casa." Louca...no meio do mato..." Se mudou antes de botar porta e janelas, que a urgência exigia. Piso de cimento grosso, móveis feito à quatro mãos, as dela e as de Rene. Cortina no cagador. Três cadeiras de plástico, umas toras de sucupira servindo de tamborete, plantas pela sala. Lá fora, horta com tomates, quiabos, alfaces. Cocos, canela, um pé de limão "merim", dois coelhos, quatro porcos, um sofrê criado solto e um ninho de lavadeira no xaxim da varanda.
Passei o dia ontem com eles. Há muito não via duas pessoas tão felizes, completamente felizes, os loucos.

fotos de bernardo, em 07/06/09. 1ª foto: itana e o sofrê. 2ª foto: itana e a casa inacabada.

sexta-feira, 5 de junho de 2009

Cores

Eu ando pelo mundo prestando atenção
Em cores que eu não sei o nome
Cores de Almodovar
Cores de Frida Kahlo, cores

Até o Caminito sai perdendo, é fichinha perto do que os prefeitos vem fazendo nas cidades do interior. Se transformou numa ridícula marca. Cada vez que um prefeito assume, pinta tudo com suas cores: escolas, jardins, creches, bibliotecas, chafarizes e a tinta que sobra dá pra uns dois eleitores. Alguem teve a infeliz ideia lá atrás e virou hábito, que nem cantar "chegou a hora de apagar a velinha" nos aniversários, ou acompanhar com palmas qualquer artista cantando. Ninguem consegue mais impedir que eles façam.
O lance das cores chegou a tal ponto que em um ano, com a cassação do titular, uma cidade recebeu dois banhos de tintas diferentes: amarelo, depois tudo azul. E só pintam no primeiro ano, para marcar sua presença, numa tentativa sub-liminar de ficar visível o máximo possível. Valença está insuportavelmente azul. Taperoá recebeu um vermelho comunista velho e desbotado e Nilo Peçanha, bem, esta ao menos acertou: como quem manda é o marido, a prefeita mandou lascar LARANJA até nos meio-fios. O marido que manda, quando foi prefeito, lambuzou a cidade de roxo, parecia em cemitério. Igrapiuna está tricolor (adorei!) e Camamu, laranja igual à cara colhega.
Tem uma prefeita aqui que está com um pé cassado, só falta mais um pouquinho. Qual será a próxima cor a vestir a cidade? alguem se arrisca? pelo que conheço do pretendente ao cargo de alcaide, será cinza!...

quarta-feira, 3 de junho de 2009

O artista e o aviador


Cunhados, amigos e compadres duas vezes: tio Mirabeau ( em segundo plano )meu padrinho ( jamais fomos à igreja efetivar a crisma, mas estava escolhido) e meu pai, o comandante Carmilton, padrinho de Maria, em primeiro plano. Meu pai adorava tio Mirabeau. Além de ser uma das pessoas mais interessantes que já existiu, melhor contador de história da Bahia, artista de esculturas e pinturas fabulosas e ainda por cima casado com a irmã preferida ( que não me leiam as outras). Acho que tinha quase a mesma amizade por tio Wenceslau, também por conta de tia Magá, a segunda na linha da paixão. Se davam muitíssimo bem, um não aporrinhava o outro. Às vezes meu pai ia à casa de tio Mirabeau e tia Norma e ficava horas sem dar um pio ( era uma característica forte dele, lembram?) só ouvindo, rindo das artes ( uma e duas), se deliciando com suas lembranças. Só repetia:
-"Mirabeau é um porreta!"Quando tia Norma morreu, os dois morreram um pouquinho.
Hoje eu e Maria somos primos, amigos e compadres quatro vezes. Como nossos pais.
foto de maria sampaio

terça-feira, 2 de junho de 2009

Aeronauta


Há muito desejava escrever este texto mas queria por a foto acima que finalmente achei, como vê, toda amassada. É meu pai ao lado de sua paixão: o avião. Não queria escrever hoje por causa do acidente de ontem, inda mais depois de ler Aeronauta, Renata e Marcus. Realmente não quero relacionar a paixão do meu pai com a morte.
Meu pai se formou em Agronomia e no dia da formatura entregou o canudo aos pais e se mandou pro aeroporto porque tinha uma viagem. Amou a aviação e a tinha muito mais do que profissão e quando não pode mais voar, sofreu com a separação. Mas bastava ouvir o som ao longe que corria a olhar pra cima, para além das nuvens, a adivinhar o avião. Sintonizava seu radio na comunicação piloto/torre e ficava com aquela expressão que jamais vou esquecer. Foi piloto num período heróico, com instrumentos rudimentares - voava para Recife apontando a proa do avião na fonte da Radio Jornal do Commercio: quando a radio saia do ar, hora de virar o manche. Quem pousava e arribava o avião era o piloto, com chuva, cúmulos-nimbos, oscambau. Voava, voava e dizia que queria viver voando. Se morresse num acidente, era como os artistas que repetem querer morrer no palco. A diferença é que quase nunca se morre sozinho. Familia de piloto sofre dobrado. Aprendi com minha mãe a desejar que todo voo seja tranquilo e que os pilotos tragam todos sãos e salvos.
Meu pai sofreu dois acidentes seríssimos e um outro menor, que lhe deixaram cicatrices na face e das quais não se queixava. Felizmente estava sozinho e sobreviveu. No acidente de menor gravidade, eu tinha dez anos e estava com ele. Um pouso forçado na deserta praia do Guaibim e nada sofri porque meu cinto de segurança foi seu abraço. Passou os ultimos anos de vida sem poder voar por conta de um grave enfisema pulmonar.
Meu pai morreu de asma, morte horrível para um aeronauta.
foto de meu pai, sem referencia ao autor

xeudizer:

anotações livres, leves, soltas