terça-feira, 2 de junho de 2009

Aeronauta


Há muito desejava escrever este texto mas queria por a foto acima que finalmente achei, como vê, toda amassada. É meu pai ao lado de sua paixão: o avião. Não queria escrever hoje por causa do acidente de ontem, inda mais depois de ler Aeronauta, Renata e Marcus. Realmente não quero relacionar a paixão do meu pai com a morte.
Meu pai se formou em Agronomia e no dia da formatura entregou o canudo aos pais e se mandou pro aeroporto porque tinha uma viagem. Amou a aviação e a tinha muito mais do que profissão e quando não pode mais voar, sofreu com a separação. Mas bastava ouvir o som ao longe que corria a olhar pra cima, para além das nuvens, a adivinhar o avião. Sintonizava seu radio na comunicação piloto/torre e ficava com aquela expressão que jamais vou esquecer. Foi piloto num período heróico, com instrumentos rudimentares - voava para Recife apontando a proa do avião na fonte da Radio Jornal do Commercio: quando a radio saia do ar, hora de virar o manche. Quem pousava e arribava o avião era o piloto, com chuva, cúmulos-nimbos, oscambau. Voava, voava e dizia que queria viver voando. Se morresse num acidente, era como os artistas que repetem querer morrer no palco. A diferença é que quase nunca se morre sozinho. Familia de piloto sofre dobrado. Aprendi com minha mãe a desejar que todo voo seja tranquilo e que os pilotos tragam todos sãos e salvos.
Meu pai sofreu dois acidentes seríssimos e um outro menor, que lhe deixaram cicatrices na face e das quais não se queixava. Felizmente estava sozinho e sobreviveu. No acidente de menor gravidade, eu tinha dez anos e estava com ele. Um pouso forçado na deserta praia do Guaibim e nada sofri porque meu cinto de segurança foi seu abraço. Passou os ultimos anos de vida sem poder voar por conta de um grave enfisema pulmonar.
Meu pai morreu de asma, morte horrível para um aeronauta.
foto de meu pai, sem referencia ao autor

10 comentários:

Luísa, disse...

Primeiro a nau capitânia, as aventuras pelos mares do sul. Agora este avião, Saint-Exupéry do lado e as lembranças de pouso forçado no planeta Guaibim. Vossa Majestade sempre nos mostrando o essencial, aquilo que “é invisível aos olhos”.

Marcus Gusmão disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Marcus Gusmão disse...

Errata: onde se lê Luísa leia-se Marcus, o distraído.

Anônimo disse...

Belíssima homenagem ao seu pai, doutor.

aeronauta disse...

Belo belo belo, belo aeronauta, corajoso por demais. Lindo texto.
Marcus: lindo comentário.

Anônimo disse...

Até o fim meu pai chamou seu pai de Comandante. Eram cunhados e antes disto, amigos. Depois compadres.
Meu primo, com a mesma intensidade que você me faz rir me faz chorar. De mesmo, mesmo.
É tanta saudade...

Nilson disse...

Lágrimas nos olhos. Tenho essa nostalgia emprestada de vôos heróicos por causa de Saint-Exupéry. Texto tocante só pra variar, caro dotoire!

Janaina Amado disse...

Bernardo, Bernardo, seus textos estão cada vez mais tocantes, essenciais - no sentido que Marcus/Luísa (he he) aponta -, bem escritos. Que personalidade seu pai tinha! E que personagem daria! Já foi personagem da sua vida, agora é dos seus textos... Não foi um comandante sobrinho dele que foi cumprimentá-lo do céu, com o avião cheio de gente, e logo depois foi despeddo da cia.? Adorei essa sua história, nunca me esqueço dela! Abraços (e parabéns pela coragem e coerência na demissão, Maricotim me contou).

Lidi disse...

"nada sofri porque meu cinto de segurança foi seu abraço."

Concordo com a Maria, você nos faz rir e nos emociona. Lindo post, Bernardo! Um abraço.

Meninha disse...

Sem palavras...

xeudizer:

anotações livres, leves, soltas