quinta-feira, 21 de maio de 2009

Cairú


1957. No cais da Bahia, embarcam no saveiro Cairú (assim grafado no casco) de Seu Aurélio, meu pai, minha mãe, cinco dos seis filhos ( o sexto viria depois), Valdete, a babá de Leonardo, cachorro, galinha, papagaio, baús e mais baús com as traquitanas e mucufaias de uma vida, e uma caminhonete inglesa aos cuidados de Edgar Rogaciano, motorista cedido por tio Mirabeau. Destino: Nilo Peçanha, Fazenda Mutumpiranga. Para sempre. Mudança radical. Meu pai, depois da aviação e uma construtora, passou a agricultor, de piaçava.

A viagem de 24 horas foi um inferno, com uma calmaria de meio dia na barra do Morro, meu pai doente, queimando de febre, minha mãe apavorada com a mudança, os marinheiros convencendo facilmente os meninos que o barco estava arrodeado de baleias e tubarões e que iríamos afundar a qualquer momento com o peso do carro. Lembro do cheiro de vômito. Valdete, sergipana da caatinga, faltou vomitar a alma.

Desembarque no cais de Taperoá, com muitos homens empurrando e puxando o carro por uma prancha e outros tantos olhando e agourando: -"vai cair...vai cair..."

Não caiu. Chegamos à fazenda onde moramos até 1985. A casa, tá na foto do post anterior.

Quanto a mim, sete anos de psicanálise resolveram meu pavor de viagens.


foto do barco cairú cedido por lelo,filho de seu aurélio

8 comentários:

Marcus Gusmão disse...

Meus olhos de criança leram neste vosso texto não uma simples mudança e sim um relato de uma viagem ultramarina. Viram nestas fotos uma nau capitânia e um palácio.
Juntando com outras vossas histórias, imagino que vivestes não só uma bela infância mas um reinado. Conte mais destes dias, meu rei! Perdão, Vossa Majestade Dom Bernardo II, Imperador menino das terras do Baixo Sul.

aeronauta disse...

Agora fiquei completamente boba: entre o poema de Bernardo e o poema acima de Marcus! O que dizer?
Nada... Só retornar feliz aos dois textos, para sempre.

Meninha disse...

Que lindo, estou sem palavras

Anônimo disse...

como é que não vi este post ontem? Sempre peço a Mena que me conte mais uma vez esta viagem. Para mim continua sendo um sonho bem sonhado, até me sinto dentro dele. Só uma santa que nem tia Leonídia, para aceitar uma coisa dessas. Beijos de Maria
PS: "Edgar Rogaciano, motorista cedido por tio Mirabeau" um dia postarei tal história do motorista sem carro.
PS2: lindo texto de Marcus

Nilson disse...

E eu chegando atrasado pra essa Odisséia!!! Bela história, complementada pelo post seguinte - e pelo comentário de Marcus, que amplifica a sensação que eu também tive. Grande viagem.
PS: Conheço Edgar Rogaciano do livro de Rosália!
PS2: as letras aí embaixo: drehers

imonizpacheco disse...

Isso é o que se pode chamar "uma viagem".
Tudo o mais, os outros já disseram.
Bj, oto,tchau,

Morro de são Paulo Blog disse...

Linda a foto e belo o texto!peço permissao para "pegar" a foto e dà um link para o seu texto no meu blog!
posso?
um abraço e sucesso

jamille guimaraes rosàrio

Unknown disse...

Fiquei emocionado, ao ver a foto do barco de meu Avô Aurélio. Acho que sou o único neto apaixonado pelo Mar. Salvei a foto e guardarei comigo, muito grato. Sérgio Murilo

xeudizer:

anotações livres, leves, soltas