Estudante ainda, já garantia algum fazendo audiometria no consultório de meu cunhado na Rua Rui Barbosa. Uma tarde, do meio-fio do passeio da loja Adamastor, esperei os carros darem uma trégua quando o transito fez parar na minha frente um Opala preto com motorista e um velho sentado no banco de trás. O velho ficou a três palmos de mim, se muito. Mãos cruzadas sobre o colo, levantou o rosto e me olhou. Devia ter uns oitenta, com bolsas enormes sob os olhos. Deve ter sido por intermináveis dez segundos aquele olhar penetrante e desconcertante, até o velho abrir um sorriso tão disfarçado que posso apenas tê-lo imaginado, mas foi um olhar de que me lembro até hoje. A face do velho era carregada de uma tranquilidade infinita. Um olhar de mormaço, de olhos opacos de velho, mas vivo como se tivesse vinte anos. Fiquei inquieto; na hora pensei que se tratava de um conhecido mas nos próximos minutos e horas, não conseguia me lembrar de quem se tratava. Assim fiquei a tarde toda. Em casa, comentei com meu pai que me disse ter passado por experiência idêntica.
" -Há muitos anos atrás, no Rio, fui a um comício de candidatos a Presidência. Fiquei próximo ao palanque, e de lá um homem me lançou um olhar firme e terno. Perguntei ao vizinho quem era aquele homem". Alguem respondeu:
" - Aquele é Luis Carlos Prestes!"
Fiquei abestado até à noite quando o noticiário da TV me fez cair a ficha. Naquela manhã havia chegado à Salvador, " o Cavaleiro da Esperança" para participar de um evento qualquer. Na TV, vi o Opala preto e dele saltava o homem velho que a multidão esperava. E eu, de lá, da esquina do Adamastor, fiquei com a lembrança daquele olhar.
foto da web, de luis carlos prestes. autor não identificado.
8 comentários:
que maravilha, primaldo! e eu não sabia.
Que história interessante! E muito bem contada.
Gordo!
Texto e foto legais.
bjos
Vera
adorei!
Vai pro Caderno Vermelho.
bjo
Que texto lindoooooo!!!
* Adoro Verinha te chamando de "Gordo"! rsrsrs
Ainda vou ter o meu!
Que belo texto, Bernardo. O olhar tem mesmo um poder incrível. Um abraço.
Bela história, doutor!
que maravilha esse caso!
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