Naquele tempo, era a Primeira Comunhão. Este negócio precisa ser bem explicado pois está em extinção e tirando dois ou três leitores, o resto precisa saber do que se trata. Enquanto as crianças nem sabiam direito o que estava acontecendo e por desejo de participar do ritual - as meninas vestiam-se de freiras!- as familias católicas entregavam seus filhos à Santa Igreja. Os pais ficavam aliviados, lavando as mãos: agora é com eles, minha parte está feita; a Igreja vislumbrava a captação ( cooptação) de mais algumas ovelhas. Para as crianças, não era tão simples. Eu sofri como Jesus na cruz!. Explico. Meu pai era o Prefeito de Nilo e frei Flavio, morava em nossa casa, assim como a professora. Tinhamos uma relação de amizade com o padre, que jogava bola com a gente. É vem a 1ª Comunhão. Para receber a hóstia sagrada, era necessário fazer a confissão, na véspera! Agora pensem. Criança do interior, morando na fazenda, solta no pasto, hormônios começando a circular, ovelhas dando bobeira...como se diz uma coisa dessas a frei Flávio? E a confissão foi feita lá em casa, na sala do fundo, eu ajoelhado, Frei Flávio sentado numa cadeira com o olhar perdido que reconheci, além, na psicanálise. Disse tudo, mas nunca mais a amizade foi a mesma. E as próximas 24 horas sem pecar ( ou a hóstia se transformava em sangue na boca)?
-" Mãe, tomar banho de rio é pecado?"
-" Mãe, pode chupar abafa-banca?"
O pior era evitar o pecado por pensamentos. Por palavras, dava-se um jeito. Por obra, era fácil, era fingir que não morávamos na roça, por 24 horas. Dende casa, olhando um pra cara do outro, tentando identificar um pecadinho que levaria o pecador a queimar no mármore do inferno.
Fizemos 1ª Comunhão juntos, nos 50 anos de meu pai, eu, Leonardo, Eduardo e Paulinho, num evento coletivo. Foi tudo muito bem mas dois amigos não aguentaram a pressão: Tutu desmaiou no altar e Bola Sete vomitou no pé do padre. Um esqueceu que devia estar em jejum e o outro, de confessar que comeu uma jega.
Compreendi, por fim, o que é temer a Deus.
foto da primeira comunhão de minha irmã ana maria,com meu pai e minha mãe. autor não identificado
11 comentários:
E eu pensando que o desmaio de Tutu na primeira comunhão de Juliana fôra preocupação com meu acidente... já era viciado no desmaio!
Sim, aquele acidente que lhe telefonaram, você desligou o telefone rápido para ir me ver... teve de aguardar novo telefone não dera tempo à pessoa dizer onde eu estava. Conte essa completa!
Minha primeira comunhão também terá postagem em breve. Deixa eu achar minha foto de calça vinho e cacharrel branco de manga comprida engasgando com a hóstia.
Lembro da gravatinha preta que fechava com dois cliques e de ter que dividir com o sacana do padre meu segredo dos cinco contra um nas noites da buzina do Chacrinha.
Ai, a-mei a maneira de você contar esta história deliciosa!
Eu não fiz primeira comunhão (!!!), mas um vizinho amigo meu me disse, apavorado, sobre o curso de catecismo que o preparava: "O padre divide a gente em duas filas, os de pecado mortal e os de pecado venial". "E qual é a sua?", perguntei. Ele me segredou, misteriosíssimo: "Mortal!" Nunca soube qual era o pecado dele, não quis me dizer de jeito nenhum. Até hoje especulo.
Bernardo, deixei um selo pra você no acreditando - este vem da Itália. Abração!
Uma das minhas primeiras lembranças, novinho, é a de ver os meninos que comungavam - pra mim, sete anos era algo muito, muito distante. E, mais tarde, o padre de Bom Jesus da Lapa que realmente queria que eu contasse tudo - os de Brumado e Caetité eram só pergunta e resposta, sim, não, sim, não. Lá na Lapa foi um sufoco, mas não houve jeito: "conte, meu filho". Entrei mudo e saí calado. Esse parecia mesmo com psicanálise.
A maneira como você conta essa história é maravilhosa, Bernardo, extremamente literária.
Lembrei então, claro, de minha primeira comunhão: achava que a hóstia era, de fato, o corpo de Cristo, e o vinho, o sangue. Me senti o máximo fazendo parte daquele banquete privilegiado.
Na minha primeira comunhão, me achei tão linda com a roupa branca que quase esqueci que a vaidade é pecado.
Adorei seu texto! (como sempre!)
Bjs
Vim, me emocionei com tua mãe, ri das fantasias e lembrei da minha primeira comunhão. Vc se torna íntimo e é tão bom!!!
Muito bem contado!
Em minha primeira comunhão sofri muito, apavaorada com meus pecados. Também foi primeira e única, nunca mais quis saber dessa história.
Estive em Valença esses dias, me lembrei de vc.
Foi muito triste.
um beijo
Deu ate medo... Entrei no catecismo agora...mas gostei da historia...
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