domingo, 7 de dezembro de 2008

Papai Noel


Joãozinho foi meu primeiro amigo. Seu pai morreu quando tia Elza estava grávida de 5 meses e terminou de criar os filhos sozinha, quer dizer, com suas irmãs, as irmãs Ramos, da Escola Ana Nery. Moravam vizinhos a nós, no Caquende, num casarão conhecido como a Casa das Ramos: um monte de tias, seis ou sete, só duas casadas, além de tia Elza, viúva. Os meninos dormiam no mesmo quarto, mais parecido com uma enfermaria, com as camas na ordem: Joel, Jorge, Jomar e João. O sobrado, antiquissimo, de dois andares, assoalho de madeira. As tias, católicas praticantes, transformavam a casa numa extensão da igreja: santuário, altar, incenso, orações e um silêncio monastérico. Todas falavam baixinho. Joãozinho vivia lá em casa. A casa de vô Chimbo merece um texto exclusivo: era uma África! além dos parentes, vivia cheia de aderentes, um quase mangue. Lá as crianças podiam gritar, fingiam tomar banho, comiam fora de hora, dormiam mais tarde e iniciavam nas vivências sexuais com as muitas domésticas em rodízio nas três casas do 235.

Papai Noel existia. Até o dia em que eu e Joãozinho fizemos o trato: vamos ver papai Noel chegar. Mas na noite de Natal eu permaneci na minha casa zonada e ele teve a ceia com as tias, logo depois, cama. Nem preciso dizer que apaguei, só acordando com ele me chamando, feliz com a descoberta.

Como foi domir cedo, acordou assim que ouviu os pasos de Papai Noel no assoalho do sobrado. Os irmãos dormiam. No canto do olho entreaberto, viu tia Elza entrar no quarto com uma enorme bandeja de prata cheia de pacotes, depositando nas camas, por proximidade da porta: Joel, Jorge, Jomar. Quando a pobre se inclinou pra deixar os pacotes nos pés da sua cama , Joãozinho quebrou o silêncio sepulcral aos berros:

-" Aí, hein Elza?!!"

O casarão veio abaixo, com a bandeja prum lado, os meninos correndo sem saber pra onde, tias chegando de camisolão, e tia Elza dando de chinelo na bunda do maldito, que não parava de rir; mais ela batia, mais ele ria!

Papai Noel estava morto, e o canalha, às gargalhadas. Ele sempre soube. Ele sempre sabia das coisas antes de mim.
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foto humorbabaca.com

11 comentários:

aeronauta disse...

Puxa, que texto lindo! E você sempre tem os finais perfeitos!

Mãe de Iara disse...

Adoro os causos de tio Joãozinho!!!! e a do chiclete ?

valter ferraz disse...

Bernardo,
Grande Joãozinho! Será o mesmo das piadas de professora?
Abraço forte

Anônimo disse...

Mas o "código de família" "que horror, eim Elza?" vem da outra Elza, não é?
Encontrei Joãozinho, gordo como que, ao tentar me identificar ele ficou todo alegre, cortando a conversa pelo meio, é MENA!

Janaina Amado disse...

Delicia de história, e a foto é ótima. Bernardo, tem gente querendo seu livro lá no meu blog... E cadê Judith? Foi abduzida?

Senhorita B. disse...

Bernardo,
Que história linda! Adoro essas lembranças!
Bjs

Anônimo disse...

Bernardo, que história deliciosa, tão bem contada. E, por favor, mande instruções para chorik@ig.com.br, que tô doidinho pra ler teu livro.

Lua disse...

mais tio Joãozinho!mais tio Joãozinho!!

Edu O. disse...

foi minha irmã quem acabou com minha fantasia, pulando na cama para ver os presentes em cima do guarda-roupa

Meninha disse...

Muito bom, parabéns!

Eliana Mara Chiossi disse...

Muito bom. Estou em tempos de fúria com o Natal e esta morte do Papai Noel é um revanche.

Bjs

(como faço para ter os seus livros?)

xeudizer:

anotações livres, leves, soltas