quinta-feira, 16 de dezembro de 2010

Dieta rural


Pensando em me agradar, um paciente me levou uma banda de tatu moqueado. Recusei com cuidado de não ofender, explicando que sou "alérgico a carne de caça, qualquer caça". Não sou, mas não posso mais comer o que comia quando criança aqui na roça. Paca, tatu, cotia não, que não se come, nem tamanduá que tem gosto de formiga. Jacaré, jibóia, veado, rã, teiú, até passarinho. Eduardo, meu irmão, era retado pra derrubar beijaflor de badogue, arrancava o coração ainda batendo e engolia, com a ponta pra fora, mode dar mais pontaria. Boi, carneiro, bufalo, tô-fraco, pato, baiacu, bobó, camarão de água doce. Cheguei a comer o fim da linha da escala animal: sariguê, bicho com cara de rato e catinga de bode morto! Leite de vaca cru, misturado com mastruz. Xarope de jurubeba pra combater fraqueza do pulmão. Definitivamente, não posso mais comer o que comia. A maioria, deixei por força do ecologicamente correto e o resto, porque não preciso mais provar, como antes, que podia comer de um tudo um pouco. Hoje mais seletivo, só me permito deliciar com carne criada para o abate, boi, porco, galinha. Limpei a consciência e entupi as artérias: Colesterol de 330.
Parece que eu era feliz e nem desconfiava...


foto:tvtem.globo

terça-feira, 14 de dezembro de 2010

Exu


Chegou quem faltava. Depois de Antonio e Buda, baixou lá em casa o Exu, debaixo do pé de canela, entre o portão e a varanda, protegendo o caminho: Exu Baraketu. Em ferro, de sucata e de pau duro apontado pra frente, armas na mão, firme e vigilante, atento. Ontem mesmo, uma dessas pessoas chatas que não tem melhor o que fazer e fica de casa em casa com conversa mole de que "meu deus é melhor que o seu", se deparou com o Exu Lonan, se benzeu três vezes e escafedeu-se para nunca mais ( espero ) voltar.
Exu já mostrou pra que veio. Laroyê!

foto de bernardo em 11.12.10

quinta-feira, 9 de dezembro de 2010

Jango




- Babaca, onde você está?
- Em Valença
- Onde, exatamente?
- Na Praça da República, indo almoçar, por que?
- Estou na baía de Camamu e em dez minutos passo por aí pra falar com você. Que camisa você está?
- Amarela.
- Fique ao lado da fonte luminosa.

Sentei num banco debaixo de um flamboyant e não esperei muito. O ronco do motor surgiu junto com ele, vindo do sul. Corri pra junto da fonte, mãos sobre os olhos e ele deu duas voltas, baixinho sobre a praça, balançando as asas do pequeno avião. Abri os braços em acenos largos, rodando como se ele estivesse preso a mim, e falando baixinho: meudeus...não fique tão baixo...sai daí, urubu...vai filho, já deu, sobe, sobe...Um menino se aproximou e perguntou se ele ia pousar e eu respondi apenas que era meu filho, era o que eu queria responder.
Depois fiquei imaginando o que as pessoas que cruzam a praça todo tempo deve ter pensado ao me ver ali rodando, olhando pra cima e dando adeus. Não importa, sei que eles não viram os olhos mareados...




foto do site cessna

As 7 Pragas - 1

Das pragas do mundo moderno, começo a enumerar pelo ritmo (?) ARROCHA. É evidente que muitos não vão concordar comigo, mas as pragas são minhas, e boto na lista o que eu quiser.
Já vi de tudo nesta vida, eu que nasci no início dos anos 50. Angela Maria, Cauby Peixoto e Nelson Gonçalves com seus bolerões arrebatadores. Elizete Cardoso e Agostinho dos Santos arrasando com o samba-canção; depois chegaram os das vozes miudas e mudaram a musica popular brasileira, eram os cantores da Bossa Nova. Em seguida, os Tropicalistas ( nesta época, a minha geração pegou fogo, quase que literalmente!) e por fim as bandas de rock dos '80. Ia tudo muito bom, tudo muito bem, até que a boa terra deixou de inspirar como havia feito com Caymmi, João Gilberto e Caetano e passou a produzir uma musica chamada de baiana. Aos apressados, aviso logo que tem muita gente fazendo uma musica de qualidade aqui na Bahia - Viva Jussara Silveira, Viva Jota Veloso!-, e que não é, graçasadeus, conhecida como musica baiana. Mas por outro lado, a terra pariu excrescências com a Oxente music e a famigerada ARROCHA, motivo deste texto. Aquela, que se dividiu em pagodinho e axé e esta, que se transformou na praga da transição dos séculos. E este é o meu medo, que se trnsformem em seculares. Aquela, rainha absoluta das rádios populares, que dominam e determinam o gosto musical popular. Esta, reina imbatível nas festinhas, principalmente no interior. Seus cantores, se não ficam milionários, ostentam apelidos sugestivos como Ciganos e Morenos e Reis e Rainhas, além de ônibus personalizados e bandas com dançarinas que sabem como ninguem balançar as bundas. São, como toda praga que se preze, para isso que existem: se espalhar, contaminar.
A foto que ilustra este texto mostra Maicon, de camisa branca, ensinando (ou transmitindo, contaminando ) o Arrocha a Marlon, seu primo tímido, que por sua vez tambem se transformará em um vetor. Parece que já estou vendo no futuro: "Marlon, o vetor do Arrocha!"
foto de marcos ferreira.

xeudizer:

anotações livres, leves, soltas